segunda-feira, 25 de março de 2013

É realmente a objectividade que o humano deve almejar?

A propósito de objectividade...


Da visão objectiva…

Quando os nazis começaram a assassinar os doentes mentais, não foi possível esconder o programa das populações alemãs que viviam nas imediações dos complexos. Choveram protestos daqueles que ainda não tinham alcançado uma visão puramente objectiva da essência da medicina e da missão dos médicos.
Os nazis aprenderam e passaram a ser ainda mais racionais. Em conformidade, colocaram os campos de extermínio bem longe, deram mais ênfase à “formação cultural” do seu povo, de modo a que fosse “puramente objectiva” e “científica” e passaram a usar linguagem de código para evitar contratempos com os mais atrasados e que teimavam em não aceitar a realidade.
Já andavam os alemães a fuzilar comissários russos em território soviético e ainda chegavam judeus do Reich convencidos de que eram “pioneiros” alemães no Leste…
O entendimento era simples: o gaseamento era um assunto médico. A ordem original de Hitler dirigia-se aos doentes mentais que deveriam ter direito a uma “morte misericordiosa”. Em breve todas as “bocas inúteis”, fossem mulheres, crianças ou idosos, ou deficientes, fossem associais ou simplesmente judeus – teriam direito à máquina da “eutanásia”: uma boa morte para todos, como quem diz simplesmente “boa noite”.

domingo, 24 de março de 2013

Deontologia, responsabilidade jurídica e ética

A propósito de cumprimento de funções, ética e deontologia...

Enquanto alguém está sujeito a uma hierarquia o que é que deve ter precedência:

   -   cumprir as ordens hierarquicamente legitimadas pela cadeia de comando?

   -   respeitar a lei, ainda que isso implique incorrer em qualquer tipo de procedimento disciplinar ou marcial?

   -   agir de acordo com a sua consciência, ainda que isso implique qualquer tipo de procedimento disciplinar/marcial ou judicial?

quarta-feira, 20 de março de 2013

O humano, exposto ao mundo

A propósito da situação de exposição ao mundo...


Não há nada no mundo que possa ser adquirido, nada de que o humano se possa tornar proprietário. Essa ideia vã de que se têm coisas, de que se possui isto ou aquilo apenas se mantém à custa de uma cegueira, de uma confiança que o hábito parece prometer, mas que o mundo jamais afiança. Não há nada no mundo de que se possa estar certo.

Se o homem primeiramente ganha o seu sentido das coisas do mundo, então o seu sentido está suspenso, dependente, ... Isto tem vários sentidos. Se o homem ganha a sua segurança da ilusão de segurança do mundo, então, verdadeiramente, só quando o homem morre poderia dizer se a vida valeu a pena ser vivida - porque de facto o homem considera a vida como mais uma coisa que deve ser útil, mais uma maçã que amadurece, mais uma coisa que está sempre incompleta. E aí o homem nunca está de facto seguro de nada, porque se ele está seguro no mundo, então ele não leva a sério que tudo o que o mundo lhe pode oferecer é caducidade.

Então nós temos hoje um mundo de homens que vivem no mundo como se fossem mundo, que vivem e se alimentam da caducidade, e depois se admiram de que o que é intrinsecamente caduco caduque. Vivem como se fossem caducos e admiram-se quando caducam.

Mas se o passar do tempo, se o ir-se da vida, se o finar-se do outro, se o perder, se o ficar sem nada pode inviabilizar o mundo, então é porque o mundo nunca esteve assegurado, e se o mundo nunca esteve assegurado isso é porque o homem quis desde o primeiro momento assegurar aquilo que jamais poderia adquirir.

Ficar sem as coisas só pode machucar o homem que vive para as coisas. Perder tudo o que se tem só pode atingir aquele que vive do que tem. Só se pode perder se se tem o sentido naquilo que se pode sempre perder - mas nesse caso o sentido nunca foi tido. Só aquele que nunca se adquiriu se pode perder.

Sempre houve quem abdicasse de ter e de possuir e não sentisse falta disso. Mas o que é mais comum é querer ter e possuir. Por que é que quem tem e possui sofre com a perda senão porque é nisso que coloca o sentido?

Há um equívoco aqui.
Parece que só o crente está em condições de poder ter o sentido noutro lugar que não no mundo, que só o crente pode não ter o mundo como definição de si. Parece acreditar-se que o ateu está obrigado a identificar o homem ao mundo. Como se a crença e a religião não fossem a expressão de algo muito profundo no humano. Como se a religião fosse qualquer coisa que acontece no homem sem ser no homem. Nisto o ateu também se engana, porque o ateu julga que o crente está simplesmente iludido. O ateu chama à religião ficção, e o religioso não reconhece no ateu qualquer espírito.

Ambos se enganarão... porque nem a religião pode ser vista como um engano: porque quem se enganaria senão o humano? Mas em termos de sentido o humano está impedido de se enganar se ele está no sentido. Da mesma forma, o ateu não pode ser visto como sem-espírito: porque quem seria sem-espírito senão o humano? Mas se o humano é capaz de um sentido que não o do mundo, este não há-de ter outra sede senão no humano.

Quer dizer, o ateu não está condenado a ser mundo - a não ser que ele se determine pelo mundo. Mas a ideia comum de que isso é assim leva invariavelmente a que o ateu se convença de que ele deve, para bem da sua intelectualidade, converter-se ao pó - e, então, o próprio pó se torna a sua religião e pode haver fundamentalistas ateus  como os há entre os crentes - e, inversamente, leva paulatinamente a religião a converter-se numa certa forma de ateísmo camuflado, ou de deísmo racional que é mais ateu do que alguns ateísmos...


O dinheiro e o sentido

A propósito de dinheiro...


É o dinheiro importante?

Costuma-se dizer que o dinheiro não é tudo, mas que faz falta, faz...

Bem, não é que o dinheiro não seja de importância; é que, se a falta de dinheiro atira o homem para os calabouços do desespero, então o desespero já lá estava e já faltava o essencial, mesmo quando o dinheiro estava presente.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Há ignorância militante?

A propósito de ignorância...

Depende do que se quer dizer com as palavras. Parece haver uma certa ignorância ingénua - que se caracteriza pelo embarque nas determinações imediatas. Segundo Pascal, o progresso do conhecimento vai daí ao outro extremo, a ignorância daqueles que, tendo percorrido as várias áreas do conhecimento, percebem que nunca se sai da ignorância. Podemos chamar-lhe douta ignorância, que também poderá ter várias formas, desde a suspensão indagatória, ao cepticismo pirrónico... Pelo meio há a ignorância - nos seus diversos níveis - daqueles que, tendo percebido a ignorância inicial, enveredaram pela procura do conhecimento, procedendo a revisões, de tal modo que, a cada vez, julgam ter-se lançado a um patamar de evidência. Esta parece ser a pior ignorância, pois nem é ingénua, nem é douta... 

Depois há outro problema que é o de nunca se estar em condições de se saber exactamente em que ponto da escala se está. Quer dizer, teríamos de já ter percorrido toda a escala, mas para sabermos isso teríamos de estar fora da escala. Assim, na verdade, nunca sabemos a que distância estamos de cada uma das extremidades. Por outro lado, parece-me evidente que Aristóteles tem razão quando diz que "todos os humanos estão numa tensão natural para ver" (é o que está no grego). Alguns tentaram dizer que é possível curto-circuitar esta tensão - mas, naturalmente, nunca se é indiferente a querer ver e, em princípio, reconhecer a ignorância pressiona para se sair dela. 

Quem não tem o hábito de se informar é porque supõe saber o decisivo sobre a vida. Quer dizer, quem não quer saber de Filosofia, pressupõe que já sabe o suficiente sobre isso: que isso não aquece nem arrefece. Em certo sentido, ninguém é militantemente ignorante - quando muito pode considerar que é impossível conhecer (isto é, saber se a situação em que de cada vez se encontra é um erro) e então suspender o juízo. Mas mesmo aí não se deseja ser ignorante. Portanto, num certo sentido, não há ignorância acomodada: as pessoas acomodam-se quando assumem saber o decisivo.

o costume é rei de todos

A propósito de costumes...


νόμον πάντων βασιλέα εἶναι - o costume é rei de todos (Píndaro?)
νόμος ὁ πάντων βασιλεὺς θνατῶν τε καὶ ἀθανάτων - O costume é o rei dos mortais e dos imortais (Píndaro?)

De facto, se se propuser a todos os homens escolherem quais os costumes (νόμος) são melhores de entre todos, após exame, cada um escolherá os próprios: assim é, pois para cada um os seus costumes são os melhores costumes.
[...] Durante o seu reinado, Dário chamou os Gregos que se encontravam consigo e perguntou-lhes quanto queriam para comer os pais depois de mortos: eles responderam que por nada fariam isso. Então, Dário chamou os Indianos, chamados Kallatias, os quais comiam os próprios parentes, e perguntou-lhes, estando os Gregos presentes e ouvindo, através de intérpretes, o que era dito, quanto queriam para incinerarem os seus pais finados: eles gritaram alto que calasse tais blasfémias.

Heródoto, The Histories, III, 38
εἰ γάρ τις προθείη πᾶσι ἀνθρώποισι ἐκλέξασθαι κελεύων νόμους τοὺς καλλίστους ἐκ τῶν πάντων νόμων, διασκεψάμενοι ἂν ἑλοίατο ἕκαστοι τοὺς ἑωυτῶν: οὕτω νομίζουσι πολλόν τι καλλίστους τοὺς ἑωυτῶν νόμους ἕκαστοι εἶναι.
[...] Δαρεῖος ἐπὶ τῆς ἑωυτοῦ ἀρχῆς καλέσας Ἑλλήνων τοὺς παρεόντας εἴρετο ἐπὶ κόσῳ ἂν χρήματι βουλοίατο τοὺς πατέρας ἀποθνήσκοντας κατασιτέεσθαι: οἳ δὲ ἐπ᾽ οὐδενὶ ἔφασαν ἔρδειν ἂν τοῦτο. Δαρεῖος δὲ μετὰ ταῦτα καλέσας Ἰνδῶν τοὺς καλεομένους Καλλατίας, οἳ τοὺς γονέας κατεσθίουσι, εἴρετο, παρεόντων τῶν Ἑλλήνων καὶ δι᾽ ἑρμηνέος μανθανόντων τὰ λεγόμενα, ἐπὶ τίνι χρήματι δεξαίατ᾽ ἂν τελευτῶντας τοὺς πατέρας κατακαίειν πυρί: οἳ δὲ ἀμβώσαντες μέγα εὐφημέειν μιν ἐκέλευον.

segunda-feira, 4 de março de 2013

No paraíso o homem andava nu

A propósito de homem nu


No paraíso o homem andava nu. No entanto, o homem já sempre se encontra vestido[1]. Mas o homem quer ser livre e ser livre é, para ele, estar na verdade, ou melhor, que a sua certeza não se distinga da verdade. Portanto, o homem quer livrar-se da roupagem, quer encontrar-se a si mesmo. A procura do homem nu assume os contornos de um esclarecimento da consciência-de-si relativamente à sua natureza.


[1] Cfr. Génesis, 2:25, 3:21.
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