quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O gato de Schrödinger

A propósito de, gato de Schrödinger...

Em 1935, Schrödinger tentou esclarecer a Física Quântica recorrendo a uma "experiência mental" (uma experiência hipotética - não se pode executar, mas pensar nela permite-nos calcular respostas a certos problemas).

Esta experiência consistia numa caixa que continha um engenho mortal e um gato vivo. Um material radioactivo seria adicionado à caixa, sendo que esse material, durante uma hora, teria 50% de probabilidades de libertar uma partícula. Dentro da caixa estaria, também, um martelo ligado a um detector de partículas, e um recipiente com um gás letal. Se o material radioactivo libertasse uma partícula, esta seria detectada e o martelo accionado, de tal forma que o recipiente contendo o gás letal seria partido e o gato morreria.

Durante a hora em que a experiência durasse como responderíamos se nos colocassem a questão: "em que estado está o gato?" Estaria o gato vivo ou morto?

Tanto quanto poderíamos saber, o gato estaria tão morto quanto vivo, estaria no estado vivo-morto.

Schrödinger imaginou esta experiência para mostrar a absurdidade da teoria quântica. Ele queria mostrar quanto a teoria quântica era estúpida. Quando se abrisse a caixa, então saberíamos, de facto, o estado do gato. Mas, enquanto a caixa permanecesse celada,..., bem, o gato estaria vivo e morto. Esta era a interpretação do círculo de físicos de Copenhaga: que as partículas subatómocas poderiam estar num estado particular em que estão em dois estados.

Esta experiência é muito interessante porque relaciona o mundo subatómico com coisas que qualquer um pode compreender. Schrödinger mostra o ridículo de afirmar que um electrão pode estar em dois estados ou pontos ao mesmo tempo, mostrando como é ridículo afirmar que um gato pode estar metade morto e metade vido, vivo e morto ao mesmo tempo.

A interpretação exacta desta experiência varia entre os físicos e os filósofos, e neste ponto estamos já no domínio da Filosofia.

É que, tanto quanto sabemos, há quatro forças fundamentais na natureza: gravidade, electromagnetismo, força nuclear forte e força nuclear fraca. A gravidade regula o comportamento dos corpos que podemos observar: os planetas, nós próprios, etc. Mas quando falamos do mundo subatómico, então a gravidade parece não se aplicar.

A gravidade irá um dia levar os planetas do sistema solar para o sol. A gravidade vencerá. Não imaginamos, contudo, que um electrão seja sugado para o núcleo... Ao nível subatómico a gravidade parece não se aplicar, e desde Einstein que os físicos não conseguem, de forma consistente e paradigmática, conciliar o mundo da gravidade e o mundo electromagnético. Ora, evidentemente, trata-se do mesmo mundo. Os planetas, que se comportam segundo a gravidade, são compostos por partículas subatómicas, que respeitam as outras três forças. É o mesmo mundo, portanto tem de existir uma forma de unificar a teoria quântica (subatómica) e a teoria da relatividade. Tem de ser possível compreender numa teoria (ou, para começar, em duas que não se oponham) o mundo subatómico e o mundo atómico (para dizer assim).

Esta experiência mental fala do mundo subatómico em termos do mundo atómico. Fala de partículas usando um gato. E, deste modo, diz-nos que afirmar que um electrão pode estar em dois estados simultaneamente é absurdo, tal como um gato não pode encontrar-se num super-estado simultaneamente vivo e morto.

Continua em:
http://discutirfilosofiaonline.blogspot.com/2011/10/o-gato-de-schrodinger-ii.html

Animais

A propósito de, poesia...

Que animal está aqui em causa:

He clasps the crag with crooked hands;
Close to the sun in lonely lands.
Ringed with the azure world he stands.

The wrinkled sea beneath him crawls;
He watches from his mountain walls.
And like a thunderbolt he falls.

Alfred Lord Tennyson

Parece-me um poema muito interessante. Sobretudo, a forma como o animal é sugerido: como um deus - apetece dizer.

Agora, mais um poema.

A lord of the seas
Faster than a bullet
He never sleeps.
Death takes orders from him.

Fear is his vassal
The Ocean his vessel.
His teeth are swords
Ready to tear you apart.

Luís Mendes e Inês Marques

Que animal é este?

Poesia e Filosofia

A propósito de, Poesia e Filosofia


Mantenho a séria determinação em defender que a Filosofia e a Poesia se distinguem essencialmente.

Tal como o conceito de "mamífero" se distingue do conceito de "ser voador": há mamíferos que são seres voadores, mas trata-se de um incidente. Nada no conceito de mamífero implica voar, nada no conceito de voador implica mamar. Os patos não mamam, os gatos não voam. Ainda assim, há, de facto, morcegos.

Ora, é comummente aceite que, da existência dos morcegos não se infere que exista algo na essência de "mamífero" que se relacione essencialmente com o que é essencial no "ser voador". Mais do que isso: o facto de algo voar não quer dizer que tenha propensão para mamar. Por outro lado, acontece que raros são os animais voadores que mamam, de tal forma que, se nos dizem que um certo animal, do qual só conhecemos o nome, é voador, podemos inferir, com bastantes probabilidades de acertarmos, que não se trata de um mamífero.

Claro que não podemos estar certos de que esse ser voador não seja mamífero, mas a experiência diz-nos: na maioria dos casos observados, os seres que voam não são mamíferos.

Nesta órbita de ideias, se me dizem que um determinado texto é poético, então assumo que não se trata de Filosofia. Tal como, se um autor é poeta, então assumo que não seja filósofo. A minha experiência diz-me que, na maioria dos caos, a poesia não é Filosofia, tal como os seres voadores normalmente não mamam. Claro que, tal como a Filosofia nos ensina, não devemos assumir que o hábito seja uma lei, nem que as leis sejam confirmadas a cada novo caso. Pode sempre existir uma excepção, podemos não compreender correctamente a lei, o hábito por ter sido um acaso casualmente repetido. Na verdade há morcegos, que voam e mamam. Também é verdade que há estrofes que resumem um ensaio.

Na literatura, mais do que na Zoologia/Biologia, cai-se no erro de afirmar que os seres voadores participam da mesma essência que os mamíferos. Ninguém pretende afirmar que um ser voador é, na sua essência, um mamífero, mesmo quando não o parece à primeira vista. Nunca nenhum biólogo tentou demonstrar que uma gaivota, na verdade, bem ponderadas as coisas, é um mamífero. Por outro lado, surjem pessoas que julgam que a Poesia é essencialmente Filosofia.

Pode fazer-se filosofia com poesia, mas a essência da Poesia é outra. Não é necessário que a Poesia seja filosófica para ser Poesia. Mas quando se insiste na suposta convergência, pode convergir-se para o erro (tal como a suposta e intrigante convergência da Filosofia com a Religião, a qual é defendida tantas vezes). É que a Filosofia é, essencialmente, uma crítica sistemática e metódica, que não pode abdicar do rigor racional e exigente. Na Filosofia não queremos afirmações vãs, queremos argumentos, não queremos aforismos, queremos raciocínios. Queremos que os Filósofos apresentem as premissas, que não as ocultem. O filósofo deve esclarecer os conceitos que usa. Nunca deve tentar convencer, mas essenciamente demonstrar. O filósofo não quer mostrar que sabe falar bem, não quer vencer todos os debates, não quer prender a atenção. Ou: ele pode ser isso tudo, mas não é isso que faz dele um filósofo. Não é o falar bem, o conhecer muitas palavras, apresentar frases que chamam a atenção e que convencem - não é isso que faz dele um filósofo. A regra da Poesia é a liberdade - relativamente a todas as regras. É um jogo, um jogo estético. O seu campo é o do gosto, mais ou menos esclarecido, do vernáculo ao erudito. A Filosofia sem rigor, sem método, sem crítica, sem clareza - bem, já não é Filosofia. A clareza da Filosofia dificulta os artifícios poéticos mais excelentes. É de facto possível ser filósofo ao fazer poesia, mas não há nada na poesia que faça de alguém um filósofo.

Dito isto: não sou tão radical como Platão. Gosto de poesia e reconheço que há poetas filósofos, desde logo a começar com Fernando Pessoa. Mas no ensino oficial da Filosofia parece-me que é cada vez mais útil mostrar as diferenças entre Poesia e Filosofia, do que enaltecer as semelhanças. Talvez seja mais importante mostrar as semelhanças com a ciência, evidenciar que as ciências foram tratadas como vergônteas da Filosofia durante séculos. Claro que, mais uma vez, é também útil desenhar os limites que as separam.

Apesar de tudo, o espírito que hoje passeia nas escolas entre os alunos talvez precise mais de se admirar perante a semelhança Filosofia-Ciência do que de se estarecer perante a semelhança Filosofia-Poesia (a qual me parece soberbamente duvidosa). Não quero dizer que seja fácil fazer poesia e difícil fazer ciência, como se Camões favorecesse o facilitismo e Einstein o esforço. Mas convenhamos: a Filosofia tem pouco que ver com a contrução de uma epopeia, de um belo verso, ou de uma estrofe admirável. O poeta diz muitas verdades sem as compreender, mas não será a Filosofia precisamente um esforço de compreensão, de questionamento?

Também aqui encontramos excepções: "Nietzshe, com toda a certeza, omitiu muitas das suas premissas, preocupou-se mais com a apresentação de conclusões" - estará talvez o leitor a pensar. E eu, que penso em Nietzsche como um dos maiores filósofos de sempre, reconheço nele um exemplo de uma gloriosa excepção. Ainda assim, uma excepção. E, contudo, não teria ele evitado tantas divergências, confusões e paradoxos entre os seus seguidores e interpretes se tivesse sido mais rigoroso na apresentação das premissas e na explicitação das conclusões? Concedo que o "O Nascimento da Tragédia" e o "Assim falava Zaratustra" sejam livros de Filosofia. Concedo que o último (sobretudo o último) desses dois seja um livro de Poesia. Não é aqui o lugar de debater o assunto, mas eu nunca neguei as excepções.
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